sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Não estranhe se me ver revirando pedras pela rua, ando a procura de mim mesma, procurando saber embaixo de qual delas me perdi. Ou será que estou no fundo desse copo cheio de vinho? Acho pouco provável, já esvaziei três deles e continuo ainda mais sem mim. Me pergunto se estou nos livros que a muito tempo deixei de ler, amontoados na estante, tocados apenas pela poeira do desuso. Ou se estou nos braços dos amigos que a muito não abraço, dos que se foram ou dos que eu simplesmente não posso mais abraçar, mesmo que estejam a minha frente. Certamente muito de mim com eles ficou... Acho que me perdi aos poucos. Aos poucos que fui me doando praqueles que meu caminho cruzaram. Aos poucos que me foram levados pelo sistema doentio que nos desgoverna. Aos poucos que fui me matando a cada trago. Aos poucos em cada decisão errada que eu tomava. A cada vez que me silenciava diante do que me fazia querer gritar. Eu fui me apagando, desaparecendo. A cada lombra me dissipando mais e mais, junto com a fumaça que me levava pra longe de todo esse desconforto que é estar sem mim, o não pertencer. Eu me isolo a procura de mim, tentando descobrir: se eu fosse eu, pra onde fugiria? E se cada vez que eu tranco a porta pra ninguém entrar eu esteja me impedindo de me encontrar?

Um comentário:

  1. "Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível [...] perdido em meio à gente, à cidade e à vida do rebanho [...] sua inquietude, seu doloroso anseio por um lar, sua falta absoluta de um lar.”
    - HH.

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