domingo, 29 de junho de 2014

"Um coração não pode só se alimentar de lembranças e de saudade..."
 -Sandro Regueira.

Ela tem a mania de desejar que os dias não passem. Na sua concepção, eles podiam retroceder, dia após dia, até a sua primeira lembrança. Ela costumava ser feliz a beça. Durante toda sua vida ela foi feliz (apesar de ter alguns dias ruins). Sempre tinha colo de mãe, de irmã ou de amiga. Tinha pra onde correr quando a coisa ficava preta, ou simplesmente porque 'dava na telha'. Tinha momentos em que se sentia sozinha, mas nunca abandonada. Cantava muito no chuveiro, desafinava e dançava. Ia em shows, e nos moshs se libertava. Se apaixonava. Passava horas deitada, tocando seu violão, com a cabeça nas nuvens. Adorava estudar. Passava noites observando as estrelas deitada em uma barraca com as amigas. Se sujava de barro, graxa, ou qualquer outra coisa, só por diversão. Dormia na rede. Pegava a estrada num caminhão com seu pai, e esquecia tudo, só havia brincadeiras e muita risada. Jogava muito vídeo-game. Dormia, lia, limpava a casa, comia, tudo com seu gato do lado. Quando ainda não tinha nem um metro, brincava de power-ranger com seus primos, e eram o melhor quarteto-fantástico que já existiu na face da terra. Sentava na roda de viola, e junto com tios e avós, cantava até as músicas que não conhecia. Apreciava a forma que os dedos grandes de seu nono encobriam as cordas do violão, e emitiam o som que acompanhava as lindas canções que o mesmo compunha. Costumava ser um peixinho, passava o dia na piscina e se entristecia quando era hora de ir embora. Descia pequenos morros de grama rolando, só pra ter o prazer de ver o mundo girar. Tentava pescar, fazia guerra de travesseiros. Brigava com as irmãs, e meia-hora depois fazia as pazes. Pegava no sono enquanto via televisão. Fazia torta de barro, se enterrava no barro, amava o barro. Corria atrás dos colegas com um guarda-chuva. Nas férias, ia pro sítio do tio e pela manhã, antes mesmo que o galo, já estava acordada pronta pra tirar leite e tratar as galinhas. Ria até não ter fôlego, a barriga doer, e rolar no chão. Jogava bola descalça na rua. Cantava RBD na frente do espelho, com uma maquiagem toda borrada e colorida. Andava de bicicleta por horas com sua vizinha, o que fez surgir uma amizade permanente. Cantava e dançava nos festivais de talento da escola. Era a aluna nota 10. Seus pais nunca lhe deixaram faltar nada, e até hoje se sacrificam pra poder lhe dar as coisas que precisa e a gratidão e amor que tem pelos dois, não cabe em si, nunca coube. Depois de ter pouco mais que um metro, já se imaginava sendo cantora, veterinária, médica, desenhista, atora, bailarina, professora, qualquer coisa. Ansiava por crescer e deixar de imaginar pra ser de verdade. Tinha sonhos lindos e mirabolantes e era disso que era constituída. 
Agora ela sabe que a vida segue, nem todas as coisas tem o mesmo ritmo e acabam ficando pra trás. Ela sabe que o que lhe resta são estas lembranças que, de forma desordenada, lhe vem na mente. Ela só queria saber lidar com a saudade que sente no peito, queria seguir em frente, queria parar de olhar pro passado e conseguir ver um bom futuro para si, mas cada vez mais desacredita das coisas, das pessoas e dos dias que virão.

{Vanessa Cristina Martins}

Nenhum comentário:

Postar um comentário